ESG: a nova ordem estratégica nas empresas
O que está por trás desta sigla que está transformando a visão e assumindo o protagonismo nas estratégicas do mundo dos negócios
Patrícia Moreira
O termo ESG, sigla da expressão em inglês Environmental, Social, and corporate Governance, que significa, meio ambiente, responsabilidade social e governança corporativa, nunca esteve tão em alta desde que foi criado, em 2004. Nos últimos dois anos, verifica-se um salto no volume de buscas pelo termo ESG na internet. O tema saiu definitivamente do discurso e passou à ordem do dia nas corporações e dos seus planejamentos estratégicos.
Ricardo Voltolini, da consultoria Ideia Sustentável, considera que a pandemia contribuiu para uma aceleração de 20 anos nos avanços relacionados ao ESG. “Em dois anos, fizemos cinco vezes mais estratégias de sustentabilidade e de ESG do que nos últimos dez anos”, pontuou o especialista, durante participação, no final do mês de maio, no Seminário ESG na Pauta da Indústria Baiana, promovido pelo Conselho de Meio Ambiente e Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB).
Os reflexos desta aceleração já são percebidos no dia a dia das corporações. Rosane Santos, diretora de ESG da Bamin, foi contratada há três meses pela mineradora e responde pelas áreas de meio ambiente, relacionamento com comunidade e comunicação corporativa. Seu principal desafio na empresa é liderar a estruturação de um programa de ESG na mineradora. “O objetivo é sistematizar tudo isso que o ESG traz e consolidar uma agenda”, explica a executiva que, no início do mês de junho fez uma palestra no Fórum de Inovação e Sustentabilidade, promovido pela World Watch Institute no Brasil (WWI Bahia), e Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), realizado na FIEB.
Rosane entende que o desafio é trazer para a mesa de discussões e temas que até então eram acessórios e ficavam à margem. Na avaliação dela, o principal avanço é esta mudança de postura. “A alta direção discutia assuntos relacionados ao negócio, mas hoje a gente vê as empresas discutindo mudanças climáticas, direitos humanos e assumindo que elas têm um papel no território onde atuam”, destaca.
ESG E CRISE
Na avaliação de Ricardo Voltolini, a escalada de demandas relacionadas a projetos de gestão em ESG não é aleatória e está atrelada a cenários de crise. Segundo ele, na crise econômica de 2008, o tema sustentabilidade surgiu em resposta ao ambiente de instabilidade gerado pela crise imobiliária. Nos dias atuais, os fatores de impulsão foram a pandemia – que deu notoriedade e ascensão global ao ESG – e a crise climática, que motivou a busca por soluções mais efetivas.
Um terceiro fator apontado por ele é o impacto da ascensão dos millenials, uma nova geração de investidores com idades ente 30 e 40 anos, que preza por conceitos como: propósito antes do lucro e negócios mais éticos e transparentes. Neste aspecto, ele destaca que ESG não pode ser confundida com sustentabilidade, pois traz uma lógica diferente: a do investidor.
Fator estratégico e sentido de urgência
Enquanto a sustentabilidade traz uma visão de algo do futuro, a ESG, na visão de Ricardo Voltolini traz um sentido de urgência, especialmente face à aceleração do aquecimento global. “A lógica agora é mandatória para empresas de capital aberto e urgente para empresas que impactam o meio ambiente. Além disso, enquanto a sustentabilidade era um aspecto tático, a ESG entrou para a estratégia”, lembra o especialista.
Marco Antonio Fujihara, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que também esteve na Bahia para palestra no Fórum de inovação e Sustentabilidade, no início de junho, defende que humanidade vive um momento de aprendizado. Ele considera que o Brasil está avançando nestas discussões, ainda que “não na velocidade que o fórum gostaria”.
Na opinião de Fujihara, “a pandemia ajudou as pessoas a entenderem que para as mudanças climáticas não tem vacina, tem que resolver, especialmente o impacto dos gases de efeito estufa. O limite já chegou. Não temos mais que nos preocupar com as futuras gerações, mas com a nossa geração”, alerta.
Fujihara acredita que a indústria tem um papel fundamental de entender o problema, dar exemplo, aproveitar as oportunidades de negócios nesta área e diminuir as fragilidades que existem. “A gente precisa avançar na conscientização da sociedade civil e do setor privado”, complementa.
NOVOS DESAFIOS
Com todas estas mudanças de perspectiva, novos desafios são impostos às empresas. Ricardo Voltolini acredita que, no aspecto social, elas vão precisar começar a olhar com mais atenção para questões como diversidade e inclusão, ética e direitos humanos na cadeia de valor, gestão do bem-estar e da sustentabilidade para seus colaboradores.
No quesito ambiental, as temáticas que ganham relevância são descarbonização, melhor gestão dos recursos naturais e da biodiversidade e no que concerne a governança é a inserção da ESG na estratégia de negócios. “Governança na ESG não é só código de ética, política etc é também como eu organizo as demandas de ‘E’ (environmental) e de ‘S’ (social) e sinalizo como a empresa quer contribuir para o futuro, como quer ser uma empresa melhor”, arrematou Ricardo Voltolini.
INDÚSTRIA
O presidente da FIEB, Ricardo Alban, destaca que o tema já vem sendo tratado na FIEB. Ele entende que o compromisso da FIEB é o de atuar como agente indutor de sustentabilidade junto à indústria baiana e desta forma, fomentar a adoção de conceitos e instrumentos de gestão que contribuem para uma atuação mais sustentável.
“ESG é algo que vai ser cobrado de forma crescente, mesmo porque, o processo produtivo pressupõe um encadeamento com fornecedores de diferentes portes em toda a cadeia”.
Ricardo Alban, presidente da FIEB
Foto: Valter Pontes/Coperphoto
“A ESG, fazendo um paralelo com o que foi a sustentabilidade anos atrás, significa a garantia da permanência da organização ao longo dos próximos anos, sua sobrevivência: agregação de valor, de conceitos sociais, networking que envolve parceiros e stakeholders. ESG é algo que vai ser cobrado de forma crescente. mesmo porque, todo o processo produtivo pressupõe um encadeamento com fornecedores de diferentes portes em toda a cadeia”, acrescenta Alban.
Recém-empossada presidente do Conselho de Sustentabilidade da Federação das Indústria do Estado da Bahia (FIEB), Aline Cesna, acredita que o órgão consultivo poderá contribuir trazendo um olhar diferenciado aos assuntos de ESG. Trata-se de um caminho sem volta para todas as companhias, independentemente do seu porte, mas lembra que o desafio é maior para as de menor porte, para as quais faltam recursos e até mesmo incentivos fiscais para sua implementação. “Caberá prever os alicerces necessários para essa estruturação”, complementa.
A gerente de Meio Ambiente e Sustentabilidade da FIEB, Arlinda Coelho explica que a FIEB tem atuado como agente indutor de sustentabilidade junto à indústria baiana. Na área ambiental, a atuação inclui sensibilizar e mobilizar o setor em torno do tema, prestar serviços de assessoria voltados para o licenciamento ambiental, além de promover a capacitação empresarial e a realização de fóruns técnicos, a exemplo do Seminário ESG na Pauta da Indústria Baiana, realizado em maio. “Também atuamos produzindo material informativo para apoiar as empresas, como manuais e cartilhas e, no âmbito social, incentivando e socializando boas práticas de gestão e tecnologias sustentáveis na indústria”, detalha.
Novas variáveis na mesa de discussão
A diretora de ESG da Bamin, Rosane Santos, considera que estão postos na mesma mesa variáveis como resultados financeiros, econômicos e performance do negócio. A grande vantagem que uma boa agenda ESG configurada oferece é que ela começa com um processo de escuta da organização e de todos os seus stakeholders. “Não é uma construção unilateral. Eu preciso conversar com o poder público, com a comunidade, com a imprensa, com meus fornecedores, com os vários atores que têm interesse na minha organização”, pontua.
O que muda, segundo ela, é que a decisão deixa de ser individual: “Trago todo mundo para a mesa de discussão e juntos a gente define as priorizações. A partir daí, as empresas começam a aprofundar as suas ações: melhorar processo, gerenciamento de riscos e ter governança para cada um dos temas”. O que importa é determinar “como estas variáveis vão ser tratadas dentro da organização, aonde se quer chegar, como se quer chegar e quando. É a governança de cada um destes temas que vai permitir que a empresa tenha uma boa agenda de ESG”, complementa.
“A pandemia trouxe mais luz e urgência. A gente percebe toda a temática social ganhando muito mais força por conta do desemprego, da questão sanitária e da saúde das pessoas”.
Rosane Santos, Bamin
Foto: Ulisses Dumas
URGÊNCIA
O entendimento de Rosane é de que todos estes temas já eram considerados antes da pandemia, mas foi a crise de saúde global que deu uma maior relevância ao ESG. “A pandemia trouxe mais luz e urgência. A gente percebe toda a temática social ganhando muito mais força por conta do desemprego, da questão sanitária e da saúde das pessoas”.
Para ela, tudo isso já existia, mas não era algo sistêmico: cada empresa fazia o que queria, o que quisesse, aplicava seu método e ninguém acompanhava. “O que o ESG traz é: isso é tão relevante quanto qualquer outra discussão do seu negócio e você precisa atingir o nível x, porque para uma empresa do teu setor, do teu tamanho, no teu país, é importante que você esteja nesse nível. O ESG provoca as organizações a produzirem mais contribuições para o território”, acrescenta.
Sociedade mais engajada
Guilherme Araújo, diretor da Bracell, empresa do setor de celulose, que também participou do Fórum de Inovação e Sustentabilidade, concorda com a executiva de ESG da Bamin, de que o tema já fazia parte da vida das corporações, mas complementa que a pandemia trouxe mais players e fatores para esta discussão. Ele destaca em particular o papel da população, que começou também a olhar mais para estas questões e a buscar mais informação. “Isso gera uma pressão de baixo para cima, que faz com que todo mundo se engaje”, explica.
Ele revela que a Bracell já vinha trabalhando mais fortemente com estas questões. “Trazemos o social e o ambiental para o dia a dia da empresa porque a gente entende que hoje não existe mais a indústria/empresa trabalhando isoladamente. Ela tem que trazer todos os atores para o negócio e se desenvolver em conjunto com as comunidades”. Ele ressalta ainda: “Não se pode destruir o meio ambiente, a paisagem, porque isso compromete a sustentabilidade econômica do negócio e aí vem a licença social: o quanto a comunidade onde a gente atua nos aceita e nos dá licença para que a gente esteja lá operando? Tudo isso vem sendo discutido”.
“Trazemos o social e o ambiental para o dia a dia da empresa porque a gente entende que hoje não existe mais a indústria/empresa trabalhando isoladamente.
Guilherme Araújo, diretor da Bracell Bahia
Além disso, frisa o executivo, o mundo ficou pequeno e o que se faz aqui vai repercutir em qualquer lugar do mundo. A pandemia também trouxe esta visão de que precisamos fazer mais coisas juntos. “Somos finitos e o planeta é finito, temos que trabalhar para que ele se preserve por muitos anos”.
É com esta percepção que a Bracell desenvolve seus projetos de sustentabilidade. “A empresa entendeu que precisava olhar mais para as áreas naturais”, explica Guilherme Araújo. Por lei, as empresas devem preservar 20% de florestas nativas, mas o executivo explica que a Bracell preserva o equivalente a 40% de áreas nativas, reforçando seu compromisso com o ambiente e as comunidades do entorno.