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7 de outubro de 2022

“É difícil para a pequena empresa estruturar uma estratégia internacional sem apoio técnico”

CIN Exportações FIEB

Patrícia Orrico, gerente do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) traça, nesta entrevista, um panorama da atuação do CIN e de seus parceiros institucionais para alavancar a internacionalização das pequenas empresas baianas e revela o que tem sido feito para estruturar este processo. Nesta entrevista, concedida a Patrícia Moreira, ela faz uma avaliação do cenário e destaca que o maior desafio para a PME baianas é o ganho de competitividade.

Patrícia Orrico, gerente do CIN/FIEB Foto: Gilberto Jr/Coperphoto/Sistema FIEB

Estudo da FIEB mostra 81% das pequenas empresas nunca realizaram uma operação internacional. O que haveria de oportunidade para estas empresas que elas ainda não enxergaram?

Patrícia Orrico – Isso é um fato Brasil. Embora crescente, a participação das pequenas empresas nas exportações ainda é pouco significativa. De acordo com um levantamento feito pela Rede de Centros Internacionais de Negócios (Rede CIN), coordenada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), em 1998, o Brasil tinha 15.807 empresas exportadoras enquanto em 2018, isto é, 20 anos depois, o número saltou para cerca 25 mil, um crescimento de 60%, das quais apenas cerca de oito mil de MPE (micro e pequenas empresas).

No entanto, no que se refere a valores, a participação das MPE nas exportações, ainda é muito aquém do desejável, especialmente diante do potencial das mesmas. No caso da Bahia, por exemplo, cerca 200 MPE exportaram, destacando-se a região Nordeste quanto ao valor total exportado em 2018.

Porém, numa análise em termos de Brasil ou da Bahia, o peso nas exportações das MPE é menor que 1%, em termos de valores.  O que se verifica é um fluxo de comércio dominado por empresas de maior porte, especialmente de commodities e produtos de base industrial semifaturados, tais como petróleo, soja, papel e celulose.   

No caso da Bahia, em relação ao valor exportado pelas MPE, o peso do ramo industrial é superior aos demais em cerca de 50%, enquanto o comércio representa cerca de 35% e agropecuária, 15%.

Diante desta realidade, como tem sido a atuação do CIN?

Nosso trabalho concentra-se em capacitar as empresas, apoiá-las através de um processo de mentoria, buscando justamente aproveitar uma crescente tendência de ampliação de mercados e oportunidades. A aposta é em produtos diferenciados a partir da qualidade, de características próprias, em alguns casos, diretamente vinculadas ao território de origem e respectivas condições produtivas, como fatores de valorização, permitindo, assim, um melhor e mais valorizado acesso a mercados em todo o mundo.

Foi nesse sentido que desenvolvemos o Projeto Origem Bahia, cujas estratégias de promoção comercial estão diretamente ligadas à demonstração do valor do produto para facilitar o acesso a mercados, com uma campanha de imagem que reflita a procedência do produto diretamente ligada a um determinado território, o chamado marketing territorial. É como acontece com produtos europeus, a exemplo de vinhos de determinadas regiões e muitos outros produtos alimentares em que a procedência é fator associados à qualidade, questões sociais, porte dos produtores etc. e que assegura acesso privilegiado a mercados.

A aposta é em produtos diferenciados a partir da qualidade, de características próprias, em alguns casos, diretamente vinculadas ao território de origem e respectivas condições produtivas, como fatores de valorização, permitindo, assim, um melhor e mais valorizado acesso a mercados em todo o mundo.

Qual é o maior desafio para inserir as empresas em um processo de internacionalização?

A preparação das empresas passa pela capacitação, por meio de uma consultoria prática (mentoria), além de promover ações de promoção comercial, tais como rodada de negócios, missões comerciais, participação em feiras entre outros.

Nesse sentido, trabalhamos em parceria com estruturas importantes, tais como a ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), a própria CNI (Confederação Nacional da Indústria) entre outras, a exemplo do Sebrae com o qual várias iniciativas promocionais têm sido feitas, voltadas para setores cuja participação das pequenas empresas é relevante, tais como alimentos e bebidas, produtos cosméticos e de higiene, moda e acessórios, material de construção e decoração, entre outros.

De que forma o CIN e seus parceiros puderam atuar para assegurar este apoio durante a pandemia?

No período da pandemia fizemos algumas rodadas virtuais com compradores internacionais e com traders, comerciais exportadoras brasileiras, iniciativas muito importantes uma vez que os pequenos empresários não têm conhecimento, experiência e muitas vezes nem tempo para prospectar mercados, pois está dedicado à produção e à gestão da sua empresa. Têm sido muito exitosas as iniciativas voltadas à aproximação das MPE com traders e comerciais exportadoras, funcionando como “braço” da pequena empresa para a prospecção de mercado e fechamento de negócios.

Você está há muitos anos atuando nesta área, como avalia os avanços ao longo dos anos?

Comecei a trabalhar em 1983 nesta área, em um projeto chamado Pronaex, financiado pela ONU, voltado ao fomento das exportações das micro e pequenas empresas na América. Aqui na Bahia, funcionavam na estrutura que precedeu o Sebrae, o Ceag – Centro de Apoio à Micro Empresa -, consórcios de exportação para MPEs. Desde esta época já se buscava ajudar as pequenas empresas a se internacionalizarem e, até mesmo, a se legalizarem.

A grande questão aí – e é por isso que nosso programa se chama Programa de Competitividade para Internacionalização (PCI), é que a melhoria do desempenho da empresa e de seus produtos deve ser voltada também para o mercado interno, uma vez que aqui também as empresas concorrem com produtos importados. Ou seja, não é necessariamente obrigatório vender para mercados internacionais, mas estar pronta internacionalmente, especialmente no que se refere ao padrão produtivo, tecnológico, promocional etc. A minha experiência é fruto de diversas iniciativas e esforços que vêm sendo feitos em diversas instâncias, públicas e privadas, em alguns momentos mais intensamente, outros menos, mas sempre nesse sentido.

Com a criação da Apex- Brasil, em 1996, este foi um tema que tomou uma nova força e se somou à atuação do próprio Ministério das Relações Exteriores – através dos Setores de Promoção Comercial (Secom) junto às embaixadas – e da CNI, com a criação de uma rede de estruturas capacitadas em cada estado, junto às Federações das Indústrias, a REDE CIN – Centro Internacional de Negócios. E também o surgimento de outras iniciativas de entidades correlatas, a exemplo do Sebrae, que voltou a atuar no apoio à internacionalização das MPE e com o qual temos trabalhado em estreita parceria, através de alguns projetos e ações.

A grande questão aí – e é por isso que nosso programa se chama Programa de Competitividade para Internacionalização (PCI), é que a melhoria do desempenho da empresa e de seus produtos deve ser voltada também para o mercado interno, uma vez que aqui também as empresas concorrem com produtos importados.

Na Bahia, além da FIEB, que outra estrutura institucional, pública ou privada atua na internacionalização de empresas?

Cabe ressaltar que a Bahia teve por mais de 30 anos uma estrutura, o Promo Bahia, que era um privilégio à época, tendo servido como benchmarking para muitos outros estados e governo federal. O Promo Bahia era também a base de competência profissional com relações muito fortes com o governo e entidades brasileiras e de outros países. Foi extinto em 2008 e, por conta disso, a FIEB teve que assumir de modo mais efetivo e constante este papel junto às empresas baianas. Nesse sentido, foi estruturado o CIN.

E hoje, qual tem sido o foco de atuação do CIN?

Como dito, na Bahia, hoje, a FIEB, que tem uma estrutura 100% dedicada ao comércio exterior e às relações internacionais, vem atuando de forma mais direcionada. Mas, a exemplo da parceria com o Sebrae, é importante uma união de esforços e competências para superar as dificuldades que enfrentam as MPE, não somente para inserção nos mercados internacionais, mas, também, para o mercado nacional, uma vez que concorrem com produtos importados.

É nesse sentido que temos como premissa a articulação de esforços e competências entre as diversas entidades, públicas e privadas, desde o próprio Sistema FIEB (SENAI, IEL SESI, CIEB) à Rede CIN, CNI, Apex-Brasil, Sebrae, governos e prefeituras, Ministério das Relações Exteriores (MRE), embaixadas, bancos, universidades, além de parceiros internacionais, cujo propósitos sejam convergentes com os nossos.

E qual a importância destas parcerias?

O SENAI Cimatec, por exemplo, é uma estrutura muito importante, porque apoia a melhoria e o desenvolvimento do produto, a questão tecnológica, que é de fundamental importância. A gente também tem um apoio importante do IEL, inclusive pelo fato de ser o gestor do PEIEX – Programa de Qualificação para Exportação na Bahia. Trata-se de um programa da APEX-Brasil voltado às empresas que desejem iniciar o processo de exportação de forma planejada, juntamente ao qual apoiamos através do nosso programa de promoção da competitividade e demais ações. Outra parceria importante é também o Núcleo de Acesso ao Crédito (NAC), que atende empresas na questão financeira, fazendo com que a gente possa dar um suporte sistêmico, voltado à melhoria da competividade internacional.

Há também uma questão importante no processo, que é a inteligência e a promoção comercial, com análise de potenciais mercados para subsidiar as ações de promoção e eleger as melhores estratégias de inserção. A exemplo do que acontece em quase todos os países, e é o que a gente faz no CIN, este apoio é fundamental para viabilizar a participação das empresas em ações de promoção comercial, a exemplo de feiras internacionais, missões comerciais, rodadas de negócios.

Estes são os esforços que a FIEB realiza, sobretudo através da captação de apoio, seja técnico, seja financeiro, de outras entidades. É muito difícil para uma pequena empresa conseguir estruturar uma estratégia comercial e internacional sem contar com este tipo de apoio técnico, operacional e financeiro.

De que forma este apoio se traduz na prática?

Quando a gente estrutura uma missão empresarial, a organização da missão, envolve desde a construção de uma agenda produtiva junto a entidades e empresas no mercado alvo, até a contratação de alguns serviços, tais como aquisição e montagem de espaço, organização de agenda de encontros com potenciais compradores e entidades, visitas técnicas, tradução, transporte para atividades, rodadas de negócios etc. Ou seja, nada disso ocorreria se não fosse o suporte técnico e operacional que a gente dá, minimizando assim os custos que cabem à empresa, que são as despesas de viagem, hospedagem e de caráter pessoal.

Um dos pontos mais importantes do nosso trabalho é o de desmistificar a exportação. É mostrar que exportar é vender para alguém que fala outro idioma e que mora mais longe e que, portanto, não é uma coisa instransponível.

Uma das formas de atuação do CIN é por meio de programas específicos de incentivo à internacionalização, quais são eles?

Eu citei o Programa Origem Bahia que envolve a cadeia do cacau e chocolate, charuto, farinha de mandioca/farofa, cachaça, doces em geral, produtos que estão vinculados ao território, em parceria com o Sebrae. Dentro do mesmo formato, temos também o Beleza Bahia, que envolve os setores de cosméticos, vestuário, de moda, acessórios e estamos começando um projeto que é o Viver Bahia, envolvendo o setor de construção, rochas ornamentais, produtos utilizados para a construção, mas também lazer e decoração.

Na sua avaliação, por que as pequenas empresas brasileiras acabam tendo um desempenho discreto nos mercados externos?

São vários os aspectos. Além do nosso mercado interno ser grande, fazendo com que muitas MPE não tenham a exportação como meta, é fato que é crescente a concorrência no mercado brasileiro e é também fato que aquela nos mercados externos é maior. Mas não é recomendável que as empresas se limitem a um mercado e, sim, diversificá-los.

Em relação aos mercados externos, eles são bastante concorridos e por isso mesmo a gente precisa agregar valores aos nossos produtos o que nem sempre é fácil para as MPE em razão dos custos que isso representa. Por isso mesmo é que envidamos e articulamos esforços. Um exemplo é o Projeto Origem Bahia, que visa justamente promover produtos que têm oportunidade de atingir nicho de mercados de pessoas com maior poder aquisitivo e que valorizam e se dispõem a pagar mais por produtos cuja origem diferenciem o produto, a exemplo do que ocorre com muitos produtos importados, como os vinhos de distintas regiões do mundo, queijos, doces, entre muitos outros. Ou seja, a origem conta muito no critério de escolha.

Outro aspecto importante é que, muitas vezes, há a dificuldade de idiomas o que pode inibir a empresa. No entanto, é uma questão que pode ser contornada, através de suporte externo. Importante salientar que é oferecido serviço de tradução simultânea e/ou tradução consecutiva em todas as atividades que promovemos com empresários estrangeiros e baianos.

Quais são as crenças que afetam a expansão internacional das pequenas empresas?

Um dos pontos mais importantes do nosso trabalho é o de desmistificar a exportação. É mostrar que exportar é vender para alguém que fala outro idioma e que mora mais longe e que, portanto, não é uma coisa instransponível. Outra questão que a gente verifica muito é a equivocada ideia de que ‘se vou exportar, vou cobrar mais caro e vou ganhar mais porque quem vai comprar é mais rico’. É também um nosso papel desmistificar esse conceito e fazer ver ao empresário que exportar deve ser visto como uma venda que, claro, o preço deve ser formado através de um cálculo que considere o mercado, transporte, seguro etc., além da definição de qual a forma de pagamento. Por isso, damos também assessoria e capacitação de como formatar o preço para exportação para que o produto seja de fato competitivo e encontre potenciais compradores.

É óbvio que o preço deve ser justo, que traga resultados ao vendedor mas que o comprador não seja o único fator de definição do preço final do produto.

Qual foi o efeito da pandemia para as empresas exportadoras?

A gente verificou o seguinte: apesar de todas as dificuldades que as empresas passaram, foi um momento que elas encontraram mais tempo para olhar para dentro do empreendimento. No que se refere à prospecção e promoção junto aos mercados, fizemos muitas atividades online de capacitação e tivemos uma alta adesão, porque eram empresas que estavam aproveitando o momento para lançar este olhar da porta para dentro. Realizamos também nos dois anos diversas rodadas de negócios virtuais, no âmbito dos projetos Origem Bahia e Beleza Bahia. Além disso, as empresas voltaram com mais força, mais vontade, mais interesse. Atualmente estamos com um número alto de empresas que aderiram às nossas iniciativas.

Desde o ano passado estamos realizando ações presenciais, a exemplo de rodadas de negócios em Salvador e Ilhéus, por ocasião dos Festivais do Chocolate, em maio e julho respectivamente, para os quais trouxemos importadores de alguns mercados: Líbano, Canadá, Argentina, Peru, Portugal e Espanha, além de traders para participarem das rodadas de negócios.

E quais são as ações que o CIN realizará ainda este ano?

Temos para os meses de outubro e novembro duas atividades voltadas à promoção comercial:  uma na cidade do Porto, Portugal em ocasião do Festival internacional do Cacau e chocolate, dentro do qual teremos uma área dedicada ao Origem Bahia, de alimentos e bebidas. Além do espaço expositivo, teremos rodadas de negócios com potenciais compradores previamente identificados, workshops e visitas técnicas.

Logo em seguida, haverá o Salon du Chocolat em Paris que envolve empresas do setor de cacau e chocolate mas que também realizaremos concomitante atividades voltadas à promoção de outros produtos de Origem. Além de espaço dedicado dentro do stand no Salon, estamos organizando um evento na Embaixada do Brasil, em Paris com apresentação e degustação dos produtos.

Como você projeta o cenário para as pequenas empesas baianas em relação às exportações?

Trata-se de um trabalho contínuo, ou seja, um processo de melhoria, de aumento da competitividade, de identificação de oportunidades (potenciais mercados). A gente vê avanços em muitas empresas que atendemos e nos eventos de promoção comercial são efetivados negócios.

A FIEB tem também uma atuação junto a grandes empresas, especialmente no que se refere a políticas comerciais junto a outros mercados, junto à CNI e ao Governo. Realizamos atividades de defesa de interesses na área internacional.

Qual é o fator determinante para os produtos baianos conquistarem novos mercados?

Tem todo um storytelling dos produtos que geram valor e o interesse. A gente está falando de uma classe que tem um maior poder de consumo. É um estrangeiro que quando consome um produto exótico, a exemplo de fruta, chocolate etc. identifica como um privilégio, por ser algo diferenciado e quase exclusivo, além de ter o apelo social e ambiental.

O storytelling , por exemplo, de você indicar: este chocolate é feito por uma família, é o bean-to-bar, eles próprios plantam a árvore, colhem o cacau, fabricam chocolate. O cacau é plantado numa Mata Atlântica, não causa danos, é todo um contexto que gera valor e interesse.

Como você avalia as políticas voltadas para o estímulo às exportações?

Já existem vários esforços: a Apex, o Sebrae, o próprio Sistema Indústria da CNI, com os centros internacionais de negócios das federações. Porém, se considerada a conjuntura, a devida realidade, carências e necessidades das pequenas empresas, isso deveria ser maior, não só em termos de volume de recursos, mas que fosse mais capilarizado, mais disseminado. Queira ou não, está na mão de poucas estruturas que fazem este trabalho.

Acho que poderia ser mais intensivo, diante das carências das empresas, e ter mais apoio inclusive para a formação de mentalidade exportadora. O empresário deve desmistificar, pensar globalmente. Há um conceito equivocado de pensar que só exporta quem é grande, quem é rico.

Eu trabalhei um período para as MPE Itália e o percentual de pequena empresa na economia e exportações italianas é altíssimo, chega a ser falar em 80% da composição. É certo que para uma empresa italiana que exporta para a Suíça, para a Áustria é como uma empresa brasileira vender da Bahia para Sergipe ou para o Rio de Janeiro. Sendo o Brasil um país continental, às vezes, o esforço de vender de um estado para outro não significa menor dificuldade do que exportar para outros países .

E como as grandes empresas são contempladas com os serviços que a FIEB oferece no âmbito da internacionalização?

A FIEB tem uma atuação junto a grandes empresas, especialmente no que se refere a políticas comerciais junto a outros mercados, junto à CNI e ao Governo. Realizamos atividades de defesa de interesses na área internacional.

Temos o Conselho de Comércio Exterior, composto por empresários e representantes institucionais, presidido pelo vice-presidente Angelo Calmon de Sá Jr. que levanta questões de importância para o comércio exterior baiano, funcionando como porta-voz das questões julgadas estratégicas para debelar dificuldades ou encaminhar pleitos das empresas baianas junto aos órgãos competentes.

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