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14 de março de 2022

ESPECIAL: Quem paga o preço pelo Custo Brasil

FIEB Meio Ambiente NAC
Indústria da construção é penalizada pelo excesso de burocracia Foto: Shutterstock

Um problema com nome e sobrenome que traduz os desafios para gerar um ambiente competitivo para os negócios no país

Burocracia, falta de investimentos em infraestrutura, logística deficiente e insegurança jurídica são problemas que comprometem a competitividade do país. E a versão nacional deste somatório de gargalos tem nome e sobrenome: Custo Brasil. O termo surgiu em 1995, no ano seguinte ao lançamento do Plano Real, quando a Confederação Nacional da Indústria (CNI) promoveu um seminário e trouxe o tema para um debate nacional.

Em síntese, Custo Brasil é o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas. Elas atrapalham o crescimento do país, influenciam negativamente o ambiente de negócios, encarecem os preços dos produtos nacionais e os custos com logística, além de afetar os investimentos e contribuir para uma excessiva carga tributária. A estimativa é de que o Custo Brasil retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas instaladas no país. Isso corresponde a 20,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Se de um lado, os empresários levantam o tom, cobrando soluções e políticas para enfrentar o Custo Brasil, do outro, é o cidadão comum o mais afetado pelo impacto na educação, saúde, infraestrutura e no desenvolvimento humano. E o problema se agrava ano a ano.

Entre 2019 e 2021, o Brasil caiu da 79º para a 84ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mundial, divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

DESAFIOS

Para o empreendedor brasileiro, o Custo Brasil traz outros desafios: dificuldade de acesso ao capital, insegurança jurídica, excesso de burocracia e alta carga tributária. As empresas brasileiras consomem, em média, 1.493 horas por ano para cumprir suas obrigações tributárias, mais do que em qualquer outro país do mundo. Foi o que apontou o estudo Doing Business Subnacional Brasil 2021.

Realizado pelo Banco Mundial, a pedido do governo brasileiro, com apoio do Sebrae, da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o documento foi publicado em junho de 2021 e revelou o impacto da burocracia no Brasil.

O documento mostra que Brasil está abaixo de muitos países e regiões em aspectos fundamentais para a atividade empreendedora, como abertura de empresas, obtenção de alvará de construção, registro de propriedades e execução de contratos. No estudo, o Brasil é comparado a países da América Latina e Caribe e economias de alta renda da OCDE. Um dos problemas apontados é a falta de coordenação entre agências nacionais e locais.

O Doing Business Subnacional Brasil 2021 mostra que é mais fácil fazer negócios em São Paulo, Minas Gerais e Roraima. Neste ranking, a Bahia ocupa a 24ª posição, à frente apenas do Amapá, Espírito Santo e Pernambuco. Vale ressaltar que foram consideradas apenas as capitais.

No quesito abertura de empresa, a Bahia (Salvador) ficou na 17ª posição. Em obtenção de alvará de construção, o estado ficou na 12ª posição. Pagar impostos e registrar uma propriedade colocam a Bahia, respectivamente, nas 26ª e 22ª posições em relação as demais unidades da Federação.

CONSTRUÇÃO CIVIL

A indústria da construção sente de perto os efeitos desta realidade. O presidente do Sinduscon-Ba, Alexandre Landim, chama a atenção para o tamanho do descompasso. “Não cabe mais levar meses e até um ano para aprovação de um projeto de construção civil quando, para uma casa popular, temos tecnologia para construi-la em um dia”, pondera.

Landim levanta uma outra questão crucial, neste momento em que o país precisa assegurar a retomada das atividades e o crescimento. “A construção civil tem um alto potencial de empregabilidade e pode ajudar nesta retomada. Não queremos isenções nem condições especiais para o setor, apenas celeridade dos órgãos responsáveis para a aprovação dos projetos”, complementa.

Peculiaridades regionais: Custo Bahia

Obras de implantação da FIOL Foto: Elói Corrêa/GOVBA/2015

Para o Gerente de Estudos Técnicos da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), Ricardo Kawabe, há aspectos que agravam os efeitos do custo Brasil na Bahia. Ele destaca o baixo nível de escolaridade da população e a falta de uma política de estímulo aos negócios.

Em educação, os dados falam por si. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) do IBGE, de 2019, apontou que mais de 1,5 milhão de pessoas de 15 anos ou mais na Bahia não sabiam ler nem escrever um bilhete simples, o que corresponde a 13% da população do estado.

Já em relação ao excesso de burocracia, na avaliação da Gerência de Estudos Técnicos, a solução passa pela digitalização dos sistemas para favorecer o compartilhamento das informações. “O Brasil precisa criar o governo digital com eliminação do volume de documentos em papel e reduzir exigências desnecessárias. Além de promover a integração das informações em um banco de dados federal, estadual e municipal”, defende Kawabe. Segundo ele, as empresas perderiam menos tempo e os processos andariam mais rapidamente, evitando idas e vindas.

INFRAESTRUTURA

Mas é no quesito infraestrutura que a Bahia acumula déficits significativos que desestimulam a atração de novos investimentos, apesar a posição estratégica do estado entre o Norte e o Sul do país. Mas há luz no final do túnel.

A concessão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), à Bamin, em 2021, alimenta perspectivas de reversão do longo atraso histórico na integração da cadeia logística estadual. Com a retomada, a obra receberá investimentos de R$ 3,3 bilhões para conclusão do trecho de 537 quilômetros entre Ilhéus e Caetité, com expectativa de entrar em operação em 2025. A ferrovia poderá transportar mais de 18 milhões de toneladas de carga, principalmente, o minério de ferro produzido em Caetité.

A entrada em operação da ferrovia vai permitir também o escoamento de alimentos processados, cimento, combustíveis, soja em grão, farelo de soja, manufaturados, petroquímicos e outros minerais. Tudo isso imprimirá maior dinâmica e competitividade para o setor produtivo.

Com outros dois trechos previstos, quando concluída, a FIOL terá 1.527 quilômetros de trilhos, ligando o futuro porto de Ilhéus (BA) ao município de Figueirópolis (TO), ponto em que ela se conectará com a Ferrovia Norte-Sul.

INVESTIMENTOS

Ricardo Kawabe destaca que a concessão de serviços e as parcerias público-privadas (PPP) são o caminho para reverter o atraso infraestrutural do estado. “Os estados não dispõem de recursos e precisam recorrer à iniciativa privada para viabilizar novos investimentos”, pontua.

No aspecto fiscal, o gerente de Estudos Técnicos da FIEB aponta outras distorções que tornam ainda mais onerosas as atividades produtivas na Bahia. Um exemplo é a cobrança de taxas como a dos Distritos Industriais, que mobilizou a FIEB no sentido de reverter a medida, prejudicial à competitividade das empresas. Outro exemplo é a redução de recursos destinados à concessão de incentivos fiscais, que é o caminho para atração de novos investimentos. A falta de uma política reduz o interesse das empresas para fazer investimentos no Estado.

FIEB atua para reduzir gargalos burocráticos

A Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) tem tido um papel fundamental na articulação com o poder público para minimizar os efeitos da falta de uma política de incentivo aos negócios. São ações e contribuições em diversas áreas, desde infraestrutura, passando pelo acesso ao crédito e a intermediação junto ao poder público para defender o interesse das empresas industriais quanto a aspectos legais e tributários.

De acordo com o gerente executivo de Desenvolvimento Industrial da FIEB, Marcus Verhine, as gerências técnicas e os Conselhos Temáticos têm contribuído e se manifestado em relação a diversas pautas. “A FIEB teve uma atuação muito ativa, por exemplo, neste período de pandemia, junto aos governos municipal e estadual para aliviar a carga tributária para a indústria, que esteve enfrentando uma situação gravíssima”, exemplifica.

Com gerências técnicas especializadas para prestar apoio, elaborar estudos ou assessorar as empresas, a FIEB tem apoiado a indústria em ações de internacionalização, por meio do Centro Internacional de Negócios (CIN/FIEB); de assessoria de crédito, por meio do Núcleo de Acesso ao Crédito (NAC/FIEB) e, na área ambiental, com o apoio da Gerência de Meio Ambiente e Responsabilidade Social (Gmars).

A FIEB também consolida alguns pleitos para levar ao poder público, com instrumentos como a Agenda Legislativa, elaborada anualmente pela Gerência de Relações Governamentais. O documento traz pontos considerados importantes para melhorar a competividade do setor industrial, a partir dos temas em discussão no âmbito legislativo.

A cada quatro anos, é também produzido um documento, destinado aos candidatos ao Governo do Estado, que reúne temas transversais e propostas para melhoria da competividade do setor industrial. A FIEB também elabora e coordena estudos técnicos. O exemplo mais recente é o Estudo da Cadeia da Construção Civil, um antigo pleito da FIEB, que foi financiado pelo Sebrae e que traz um diagnóstico da cadeia produtiva do setor.

Financiamento e crédito: solução NAC

Soluções como o NAC FIEB facilitam acesso ao crédito Foto: ShutterStock

Um dos principais desafios para as indústrias, especialmente as de pequeno e médio portes, é a dificuldade de acesso ao crédito. Cumprindo seu papel de representação institucional, a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) também atua firmando parcerias com instituições financeiras, como BNB, Desenbahia, entre outros, buscando orientar as empresas e assessorá-las no levantamento das exigências burocráticas para facilitar o acesso ao crédito.

Com a implantação do Núcleo de Acesso ao Crédito (NAC) a instituição passou a ter um papel ampliado no apoio às empresas industriais, assessorando-as para facilitar o diálogo com as instituições financeiras na capital e interior. “O objetivo é contribuir para que o processo flua, sem interferências; que todos os esclarecimentos sejam prestados e haja um melhor enfrentamento da burocracia”, explica Marcus Verhine.

Apenas para ilustrar, entre 2020 e 2022, por meio do NAC/FIEB foi concedido um montante de R$ 25.486.773,6 em crédito, com 116 operações realizadas com ticket médio de R$ 219.713,566. O número de atendimentos a empresas no período ficou acima de mil.

ÁREA AMBIENTAL

A FIEB, por meio da Gerência de Meio Ambiente, também tem uma atuação relevante na prestação de serviços de assessoria ambiental. Marcus Verhine explica que as questões ligadas ao licenciamento têm impacto significativo no Custo Brasil, especialmente no que diz respeito ao cumprimento dos regramentos legais.

Para isso, a FIEB mantém acordos de cooperação com órgãos como Inema e Sema que facilitam o diligenciamento dos processos nos órgãos ambientais. “Atuamos no sentido de entender o que está sendo cobrado para orientar a empresa para que ela possa atender com maior celeridade àquelas exigências”, explica.

Um exemplo prático de como a FIEB tem atuado foi uma ação envolvendo os setores de cosméticos e saneantes. A consultora da Gerência de Meio Ambiente da FIEB, Geane Almeida, explica que as empresas estavam sendo cobradas por licenciamentos indevidos no âmbito municipal e a FIEB atuou para que houvesse uma adequação. Foi um processo que começou em 2018 e somente em 2021 se chegou a um consenso.

O papel da Gmars foi no sentido de esclarecer um aspecto da Lei de Licenciamento Ambiental (estadual), que estabelece um porte mínimo para que a empresa seja obrigada a obter licenciamento no âmbito municipal.

“O fato envolveu a prefeitura de Lauro de Freitas e atuamos para mostrar o que estava previsto na lei e defender a revisão do decreto municipal, respeitando o porte mínimo, previsto na lei estadual”. A medida beneficiou os segmentos de cosméticos e saneantes, mas também o de extração e beneficiamento de mármores e granitos.

Geane Almeida explica que as empresas são obrigadas a cumprir um vasto leque de exigências legais na área ambiental e que não é raro haver sobreposição de regramentos. “As empresas estão submetidas a normas legais nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal, além de terem que respeitar outras obrigações de órgãos como o Ibama”, detalha.

Um trabalho importante que a Gerência de Meio Ambiente da FIEB presta é voltado para as empresas. “Elaboramos manuais e um fluxo do processo, de forma a uniformizar a lista de documentos exigidos para cada setor. E realizamos capacitações e estudos, de forma a facilitar o atendimento às exigências”, complementa.

Por: Patrícia Moreira

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