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6 de junho de 2025

ARTIGO: Será o fim da competitividade econômica do Simples?

Artigo CAFT Conselhos FIEB Reforma tributária

Por Daniel Castillo, especialista em Direito Tributário e conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) da FIEB

A reforma tributária, ao ponto em que realiza profunda alteração da tributação sobre o consumo, com a criação do IVA Dual (CBS e IBS), tem como premissa a não elevação da carga tributária em relação ao PIB, mas não em relação aos setores e atividades econômicas. A tentativa parece dar conta de uma distribuição da carga tributária de forma mais uniforme entre todos.

No entanto, especificamente em relação ao Simples Nacional, esse aumento de carga, mesmo que indireto, pode afetar negativa e diretamente o tratamento diferenciado exigido pela Constituição Federal aos optantes desse regime.

A Constituição assegura, em dois dispositivos distintos, tratamento tributário favorecido e econômico privilegiado às pequenas e microempresas. O tratamento tributário diferenciado se dá a todas as PME, sendo regulado pelo Simples Nacional, enquanto o tratamento econômico privilegiado destina-se às empresas de pequeno porte constituídas de acordo com a legislação nacional, desde que a sua sede e administração estejam no País.

Enquanto o tratamento tributário favorecido das pequenas e microempresas figura entre os princípios gerais do Sistema Tributário Nacional, o tratamento privilegiado às empresas de pequeno porte vem estatuído também como princípio geral, porém da Ordem Econômica e Financeira. Disso pode ser inferido que são tratamentos apoiados distintos, ao ponto em que complementares.

O primeiro, relacionado à tributação, assegura de um modo geral que, além de uma carga tributária menos elevada em relação ao demais regimes de tributação, um conjunto mais simplificado de obrigações acessórias e uma redução de complexidade à efetiva apuração do tributo devido seja efetivamente aplicada, reduzindo significativamente os custos de conformidade fiscal.

Já o segundo viés de favorecimento está diretamente associado a questões de ordem econômica, como contratações públicas de maneira simplificada e prioritária em alguns casos, mas sobretudo em ações que preservem a competitividade econômica da pequena empresa frente às grandes, sem o que, questões relacionadas à escala e o seu reflexo nos preços, inviabilizariam o acesso favorecido das pequenas empresas ao mercado. 

Estabelecidas essas premissas, na sua parcela constitucional hoje existente, a reforma tributária veda a possibilidade de instituição de benefícios fiscais em relação ao IVA Dual para além daqueles expressamente previstos na Constituição Federal. Ainda que esse proceder seja desejável, dado o histórico nacional de guerra fiscal e pretendida simplificação da tributação, seus reflexos no Simples podem ser relevantes ao ponto de, eventualmente, acutilar essas garantias constitucionais diferenciadas, asseguradas às pequenas e microempresas.

O primeiro destaque é em relação à CBS e a forma de carregamento de créditos por parte dos adquirentes de empresas do Simples, quando comparada com o regime hoje vigente do PIS/COFINS.

Hoje, na operação de venda do produto, a saída sofrerá a incidência do rateio referente ao PIS/COFINS, que é muito menor do que a alíquota não cumulativa de 9,25%. No entanto, o fato de a apuração de créditos dos adquirentes ocorrer pela aplicação da metodologia base/base, a tomada desses créditos é via aplicação da alíquota cheia (9,25%). Isso representa relevante estímulo e incentivo econômico que coloca as PME em posição de vantagem, uma vez que gera mais créditos do que a carga tributária subjacente dessas contribuições sociais.

No entanto, a Reforma Tributária substitui o PIS/COFINS pela CBS, substituição essa que também será progressivamente instituída na repartição da alíquota do Simples, mas, diferentemente do que hoje ocorre, será vedada a possibilidade de o adquirente tomar créditos pela alíquota cheia da CBS. A exceção é se o contribuinte do Simples Nacional optar pelo recolhimento do IVA Dual através do regime legal desses tributos, apurando-os de forma não unificada aos demais tributos que compõem a cesta do Simples.

Tomando por base a última e mais elevada faixa de tributação do Simples para o comércio, apenas 6,53 pontos percentuais da alíquota se referem à CBS, enquanto hoje os adquirentes submetidos à não cumulatividade absorvem 9,25% de PIS/COFINS. Ou seja: mais de 41% de diferença a menor na tomada de créditos pelo regime unificado, o que impactará diretamente o custo da aquisição do produto e, consequentemente, o tratamento econômico favorecido devido às empresas do Simples não optantes ao regime legal do IVA Dual.

A alteração implica em evidente afetação negativa ao favorecimento tributário e econômico orientado pela Constituição, o que parece não ser resolvido pela novidade trazida pela reforma ao Simples, consubstanciada na permissão para que o contribuinte opte pelo recolhimento do IVA Dual pelo regime legal desses tributos, ao ponto em que os demais tributos que compõem a alíquota permanecerão unificados. Apenas nessa novel situação, na qual o contribuinte do Simples deverá apurar a CBS/IBS em paralelo ao regime unificado, é que será assegurada a apuração de créditos integrais da CBS pelos adquirentes de seus produtos/serviços.

Ainda que a não cumulatividade do IVA Dual possa ser mais eficiente do que aquela hoje identificada em nosso sistema, da forma que vem colocada a questão na reforma, apenas para aquele contribuinte do Simples que optar pela apuração não unificada do IVA Dual é que permanecerá possibilitado o carregamento integral dos créditos de CBS aos adquirentes de seus produtos.

Isso parece um evidente retrocesso em relação à competitividade econômica das empresas do Simples. O que a norma faz é apenas igualar as condições de tributação, e não, trazer efetividade ao favorecimento imposto pela Constituição, já que o adquirente perderá a vantagem econômico-tributária em relação à CBS, hoje aplicável ao PIS/COFINS, caso o contribuinte permaneça do regime unificado em relação ao todos os tributos que compõem a cesta do Simples Nacional.

Assim, ainda que o optante do Simples também opte pela apuração do IVA Dual através do regime legal, estará o mesmo sujeito aos limites de eficiência em razão da menor escala, e será prejudicado em relação ao favorecimento econômico hoje existente e indispensável, segundo a Constituição.

Soma-se a esse cenário o fato de muitos Estados, como a Bahia, incentivarem as aquisições de produtos industriais das empresas optantes do Simples, outorgando crédito presumido de ICMS nas aquisições de industriais optantes. Tais créditos variam entre 10 (setor têxtil, de artigos de vestuário e acessórios, de couro e derivados, moveleiro, metalúrgico, de celulose e de produtos de papel) e 12% (demais segmentos de indústrias), o que restará inviabilizado pela reforma tributária.

Embora a reforma tributária busque simplificar e modernizar o sistema fiscal brasileiro, seus efeitos colaterais podem comprometer o tratamento favorecido às micro e pequenas empresas. O fim do crédito integral da contribuição Federal (CBS) para adquirentes de produtos do Simples que permaneçam no regime unificado, assim como a impossibilidade de incentivos compensatórios do IVA Dual – assim como hoje há em relação ao ICMS –, sugerem um possível retrocesso na competitividade econômica dessas empresas.

Dessa forma, a alteração na sistemática de carregamento de créditos por parte dos adquirentes do Simples Nacional pode ensejar afronta direta ao tratamento diferenciado e privilegiado estabelecidos pela Constituição às PME. Sob esse prisma, o novo regime parece não assegurar adequadamente o cumprimento do tratamento distinto de promoção e proteção às micro e pequenas empresas sob o ponto de vista tributário e econômico, duplo viés protetivo orientado pela Constituição e elemento vital para o equilíbrio e desenvolvimento da economia nacional e geração de empregos.

Permitir a adesão ao regime legal do IVA Dual, previsto para todos os demais contribuintes, não é, nem de longe, assegurar tratamento diferenciado como exigido pela Constituição Federal na sua correta extensão.

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